Tempo Brasil: “Eu vejo o futuro repetir o passado”

    Na semana passada, depois de quase três décadas frequentando a sala de aula, como professor do Ensino Médio, e ter cumprido todas as normas exigidas; por acreditar na revolução (no sentido culto, do termo) da sociedade pela educação, resolvi procurar o setor competente para saber da tão almejada aposentadoria. Pois tudo tem o seu tempo. Aliás esse é um princípio bíblico; há tempo para… Depois dos devidos (e fartos) cálculos, a atendente da Seduc, disse:
    – Professor, o senhor retornará aqui no dia 5 de dezembro (fez uma média pausa e completou) de 2022.
    Eu, com aquele olhar inofensivo do Gandhi, respondi: Tudo bem! Até lá teremos duas Copas Mundiais de Futebol; duas eleições presidenciais tupiniquins; e estaremos comemorando os 100 anos da Semana de Arte Moderna de São Paulo.
    Ela, com ar mais professoral que o meu e com o tom de voz manso de psicóloga, retrucou:
    – Esquenta não, mestre! Tudo passa muito rápido. A dinâmica do mundo é uma coisa assustadora.
    Sorri, me despedi e sai. Sai pensando: “Ela tem razão!” Na época dos meus pais, a hora tinha 60 minutos; o dia, 24 horas; o ano, 365 ou 366 dias; o século, 100 anos, e por aí vai. Hoje, no auge da era moderna, da comunicação informacional, é tudo ponta cabeça. Tudo é muito veloz (e furioso, também!). Ontem, o que foi mesmo que ocorreu? E, há dez anos? Há meio século?  As datas passam e outras já estão batendo à nossa porta.
    Os poetas, que não deviam ter pressa, por serem seres imortais, sempre estão preocupados com “o tempo”, seja no sentido conceitual ou não. Há muitos anos, li em algum lugar, que essa era uma constante inquietação de Olavo Bilac. Inclusive alguns dos seus sonetos retratam isso. Quem sabe onde morava Pablo Neruda? E José Saramago, num lugar de risco? E a hospedaria de Balzac? Por quê?
    Dia desses reproduzi “Diário de uma perda de tempo“, do genial poeta amazonense Aldisio Filgueiras. Agora, leiamos o que registrou aquele velhinho torto lá do Rio Grande do Sul, Mário Quintana, sobre o tema ora abordado: O TEMPO
    A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
    Quando se vê, já são seis horas!
    Quando se vê, já é sexta-feira!
    Quando se vê, já é natal…
    Quando se vê, já terminou o ano…
    Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
    Quando se vê passaram 50 anos!
    Agora é tarde demais para ser reprovado…
    Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
    Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas…
    Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo…
    E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à tua falta de tempo.
    Não deixe de ter pessoas ao seu lado por medo de ser feliz.
    A única falta que terá será a desse tempo, que infelizmente, nunca mais voltará.
    O tempo cabe em qualquer lugar, ou, estamos em qualquer lugar do tempo. Está no campo de ação da Antropologia, da Sociologia, da Arqueologia, da Filosofia, da Biologia, da vida. Está ou não nas receitas do amor, nos contratos, nos tratados, “na mesa dos homens/ de vida vazia “, na memória, na História. Está na vida que passa, ou que passamos por ela. São do mestre Drummond de Andrade, estes versos:
    O mundo é grande e cabe nesta janela
     sobre o mar
     O mar é grande e cabe na cama
     e no colchão de amar
     O amor é grande e cabe no breve
     espaço de beijar.     
    É do veterano poeta Caetano Veloso, o excelente poema-canção  Oração ao Tempo, de 1979, do LP “Cinema Transcendental”. São 20 estrofes, e, em todas, o último verso é assim: “Tempo tempo tempo tempo”, dando ênfase ao verso anterior. É um espetáculo. A estrutura gramatical idem. O poema tem o seguinte início, do qual extraí alguns versos, meio que de forma aleatória. Ficou belo. Vejamos
    és um senhor tão bonito
    quanto a cara do meu filho
    tempo tempo tempo tempo
         és um dos deuses mais lindos
         ……………………………………..
    que sejas ainda mais vivo
    no som do meu estribilho
    ………………………………..
         peço-te o prazer legítimo
         e o movimento preciso
         …………………………….
    de modo que meu espírito
    ganhe um brilho definido
    ……………………………….
         portanto peço-te aquilo
         e te ofereço elogios
         …………………………
    nas rimas do meu estilo
    tempo tempo tempo tempo.
    Porém, também vem dos poetas da nossa música, Arnaldo Brandão e Agenor Miranda Araújo Neto, o Cazuza, o contundente poema O Tempo não Pára ( assim mesmo “pára” com acento). Agora não se acentua mais. É para aqui, para acolá. Com a tal reforma ortográfica, não se sabe mais o que é preposição ou o que advém do verbo parar. Mas, vamos, então, ao poema na sua originalidade, que é o que interessa.
    Disparo contra o sol
    Sou forte, sou por acaso
    Minha metralhadora cheia de mágoas
    Eu sou um cara
            Cansado de correr
            Na direção contrária
            Sem pódium de chegada ou beijo
            Da namorada
            Eu sou mais um cara
    Mas se você achar
    Que eu estou derrotado
    Saiba que ainda estão rolando os dados
    Porque o tempo não pára
           Dias sim, dias não
           Eu vou sobrevivendo
           Sem um arranhão
           Da caridade de quem
           Me detesta
    A tua piscina está cheia de ratos
    Suas ideias não correspondem aos fatos
    O tempo não pára
           Eu vejo o futuro repetir o passado
           Eu vejo um museu de grandes novidades
           O tempo não pára
    Eu não tenho data pra comemorar
    Às vezes, os meus dias são de par em par
    Procurando agulha no palheiro
           Nas noites de frio é melhor nem nascer
           Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
           E assim nos tornamos brasileiros
    Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
    Transformam um país inteiro num puteiro
    Pois assim se ganha mais dinheiro.
    Por favor, faça por onde as tuas ideias corresponderem aos fatos. Caso contrário, corremos o risco de ficar fora do calendário da História do mundo. E, se isso acontecer, “a vida (deixar de ser) o dever que nós trouxemos para fazer em casa”. 
    Dedico este artigo ao pai (o nome não foi indicado) do jovem João Vitor Pereira Gomes, que no dia 10 deste mês postou a seguinte mensagem: “Meu pai gosta muito desse espaço”, ou seja, o Facetas Culturais. Que legal, Vitor! São gestos assim que me motivam a continuar fazendo estas humildes pesquisas. 
    Referências
    1. Literatura Comentada, vol. Caetano Veloso, Nova Cultural, São Paulo, 1988.
    2. Encarte do LP “O Tempo Não Pára”, ao vivo, Cazuza, Philips/PolyGram, 1988
    3. Agenda, Formando Cidadãos Editora, Paraná, 2017, p. 3.
    4. LP “Cinema Transcendental  (A Outra Banda da Terra)”, Caetano Veloso, Philips/PolyGram, 1979.
   
    
    
   

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